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Corrida Amiga na Jornada Curumim: Educar para a Convivência e Cidadania

De 9 a 11 de novembro aconteceu o evento de celebração dos 35 anos do Programa Curumim, do SESC. Ao longo dos dias, escutamos, aprendemos e trocamos muito com várias pessoas educadoras, que vêm conduzindo atividades e projetos alinhados à perspectiva da educação integral, para a convivência e a cidadania. No intuito de compartilhar esses aprendizados, nossa equipe preparou um breve relato, destacando alguns trechos do evento. 

Inicialmente, acompanhamos a mesa temática Educação Cidadã, com o projeto “Os Sem Terrinha – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST/SP”, apresentado por Daiane Ramos, que trouxe o trabalho com as crianças que moram nos acampamentos e assentamentos do MST. Nas atividades realizadas pelo grupo, busca-se ter sempre garantido os espaços para as crianças, sejam eles físicos, com lugares para brincadeiras e atividades lúdicas, sejam esses espaços dinâmicos que favoreçam a participação e inclusão do público infantil nas discussões, no momento de reuniões, eventos regionais e nacionais, entre outros. Na busca de incluir a criança nos processos e práticas comunitárias, uma das ações formativas mais utilizadas são as cirandas infantis, que abarcam a formação educacional e política. 

Em seguida, as falas de Mayara de Carvalho e Samuel Gachet, ambos colaboradores do SESC (Vila Mariana e Piracicaba), com os casos apresentados, abordaram aspectos de acessibilidade, inclusão, mediação e protagonismo das crianças nas atividades realizadas nas unidades. As exposições nos deram muitas ideias sobre como aprimorar nossas ações, bem como antever caminhos para situações sensíveis. Os programas trazem como propostas: oficina de bonecas com deficiência; grupo de estudos quinzenal com escritora autista; minicurso de libras para comunicação básica; conversas mediadas em grupo, quando há a percepção de alguma situação de exclusão – muitas destas mediadas pelas próprias crianças. Com essas medidas, percebe-se que houve uma maior integração, acolhimento e melhoria da convivência nos grupos.

Após as inspiradoras exposições, o Professor Roberto Silva, coordenador da mesa, teceu algumas provocativas e importantíssimas considerações. Destacamos a crítica a se chamar de educação “não formal” as práticas ali apresentadas.

Conforme Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB 9394/96), Art. 1º, “A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais”.

“Eles/as (e nós também, da Corrida Amiga) não fazemos educação “não formal”,  é educação social, educação comunitária, educação popular, usando pedagogia social como referencial teórico para entender nossas práticas. O Prof. Roberto citou ainda que o termo “não formal” é dito pela falta de regulamentação, financiamento, infraestrutura, etc. O “não formal” não é computado e não é reconhecido no âmbito da educação, sendo que, além da educação das crianças, apoiam, fomentam e impactam positivamente toda a comunidade escolar”, relata Silvia Stuchi, diretora e fundadora do Instituto Corrida Amiga, que acompanhou essa importante fala do Professor Roberto.

“Sendo assim, carece-se de forma veemente um esforço de regulamentação desse campo, de outras educações, para além dos muros formais das escolas. E a Educação pode avançar muito se reconhecermos o trabalho educacional realizado pelo terceiro setor”, completa Silvia. 

Na última mesa do dia, tivemos a alegria de conhecer de perto a Bárbara Carine, Prof.ª. Dra. da UFBA e criadora da Escola Afro-Brasileira Maria Felipa, primeira escola Afro-brasileira do Brasil, que questiona os “saberes” europocêntricos e problematiza a centralidade do conhecimento europeu (o eurocentrismo, o brancocentrismo). É autora do livro “História Preta: 50 invenções científico-tecnológicas de pessoas pretas”, repositório para educadores/as fazerem pesquisas e levarem para a sala de aula pessoas pretas, intelectuais e produtoras de conhecimento. Bárbara é brilhante e necessária, reafirmando e nos mostrando a urgência de se reconstruir o conteúdo pedagógico escolar a partir da dimensão da ancestralidade africana, que surgiu há mais de 350 mil anos e não seguirmos contando a história a partir da perspectiva eurocentrista, única ocidental, datada de 400 anos. Essa abordagem muda completamente a forma das crianças se enxergarem, se potencializarem e se emanciparem.

A sexta-feira (11) foi um dia mais voltado para relatos de atividades organizadas em diferentes unidades de SESCs do estado de São Paulo, e também de escolas perto de nosso território.

“O que mais me chamou atenção foi o destaque ao brincar espontâneo como prática essencial, e defendida por espaços como o SESC, no Programa do Curumim”, declara Débora Ribeiro, profissional de educação física e socioeducadora no Instituto Corrida Amiga. O brincar espontâneo se baseia em dar tempo e espaço para as crianças brincarem do que sentirem vontade/necessidade, onde os adultos estão apenas para garantir a segurança delas, e garantir esse momento. “Pra mim, é um brincar muito importante e com as grades horárias cheias na escola e fora dela, as crianças deixam de tê-lo, e garantir isso através de organizações escolares, ou extra muros das escolas, é assegurar também o direito básico da criança de brincar e, com isso, se desenvolver fisicamente, emocionalmente e socialmente”, complementa Débora. 

Para Jennifer de Oliveira, arte educadora e socioeducadora na Corrida Amiga, chamou a atenção a fala de Valéria Alves da Silva, do Instituto Camará Calunga, de São Vicente. Segundo Jennifer, “Valéria disse que faz parte dos encontros que educadoras/es e crianças e adolescentes combinem de se encontrar em algum ponto do território e escolham juntos o que irão fazer e para onde vão no dia. A “aula” começa na rua, no encontro, no trajeto, na estação do VLT, em qualquer lugar que tenha um espacinho que possa ser ocupado. Nesse processo os espaços são reinventados e qualquer parte da cidade se constitui em um território de aprendizagem”.

Para Ana Ribeiro, arquiteta, urbanista e socioeducadora na Corrida Amiga, as trocas da Jornada Curumim levaram a reflexão do direito à cidade em paralelo ao direito à infância. “Foi muito interessante ver que o lugar do brincar na cidade transpassa os muros da casa e da escola. Ver como o espaço do SESC, em diferentes lugares, tem olhado para o brincar de forma potencializadora ao território e às individualidades das crianças me fez pensar no direito à cidade e na ressignificação dos espaços públicos permissivos a infância”.

Eventos como esse, que buscam a reflexão e compartilhamento de práticas educativas, são fundamentais para ampliar o conhecimento e, sobretudo, para energizar, inspirar e potencializar instituições como a nossa, que desenvolvem e acreditam no papel fundamental da educação para a convivência cidadã. Sendo também um chamado para o exercício da cidadania ativa e incidência política. 

Vida longa ao Programa Curumim! 

Quem quiser saber mais, a Jornada está disponível no canal do Youtube [acesse aqui].

camiga