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Estudo mostra diferenças na execução do Plano Emergencial de Calçadas, entre centro e bairros periféricos

O Instituto Corrida Amiga faz levantamento e verifica atendimento desigual às demandas dos pedestres paulistanos

No Brasil, dois terços dos deslocamentos diários da população são realizados a pé, de bicicleta e/ou de transporte público coletivo, mas o número de pessoas utilizando meios ativos (a pé e bicicleta) pode aumentar devido a pandemia. Em São Paulo, a pesquisa “Viver em São Paulo: Especial Pandemia”, realizada pela Rede Nossa São Paulo, mostra que 38% dos respondentes pretendem se deslocar mais a pé e 20% pretendem usar mais a bicicleta em seus deslocamentos diários quando o isolamento físico não for mais necessário. Porém, como está a infraestrutura do transporte a pé para acomodar essa demanda por deslocamentos diários mais seguros?

Na cidade de São Paulo, a maioria das vias não dispõe de calçadas adequadas, que respeitem a norma de 1,2 metro de faixa livre para pedestres. O problema de largura das calçadas ainda é mais evidente quando consideramos a largura necessária para manter o distanciamento físico durante a pandemia de Covid-19. De acordo com o projeto Largura do Passeio, 72% das calçadas em São Paulo apresentam níveis “impossíveis” ou “muito difíceis” para a prática do distanciamento físico.

Os problemas nas calçadas não estão somente em suas larguras. A campanha Calçada Cilada 2020 mostrou que, entre as dificuldades para o deslocamento a pé, calçadas irregulares é a principal, apontada por 80% dos participantes da campanha. Sendo as irregularidades mais comuns, buracos e calçadas obstruídas (postes, degraus, árvores, etc), com 71% e 53% dos apontamentos, respectivamente.

A principal ação que a prefeitura de São Paulo tem realizado frente a estes problemas e demandas de melhorias para a mobilidade a pé é o Plano Emergencial de Calçadas – PEC.

O Plano Emergencial de Calçadas da cidade de São Paulo

Em 2008 foi instituído o Plano Emergencial de Calçadas – PEC, no município de São Paulo. O PEC tem o objetivo de promover a requalificação de calçadas que não estejam nas normas previstas na legislação municipal. Os trechos priorizados para a execução das obras são aqueles com maior circulação de pedestres, nas proximidades de locais de prestação de serviços públicos e privados referentes a saúde, educação e cultura, dentre outros, e que estabeleçam conexão com o sistema de transporte público coletivo.

Após muitos anos sem realizar obras do PEC, em 2019, com o Decreto Nº 58.845, a prefeitura de São Paulo definiu os trechos emergenciais, retomando as obras de requalificação das calçadas. Porém, até julho de 2020, apenas R$ 131 milhões, dos R$ 400 milhões previstos no orçamento, haviam sido aplicados.

A associação Cidadeapé, através de seu GT de Calçadas, tem acompanhado o andamento do PEC e buscou informações sobre a execução das obras, via Lei de Acesso a Informação (LAI). Eles receberam um cronograma com a relação dos trechos de calçadas executados e que estarão em execução até final de 2020. Esse cronograma pode ser encontrado aqui.

Demandas da população e as rotas emergenciais do PEC

Na campanha Calçada Cilada de 2020, os participantes citaram instituições de saúde e educação onde identificam, nos arredores, problemas para o deslocamento a pé. Cidadãs e cidadãos de São Paulo fizeram 206 apontamentos de instituições, sendo 105 de saúde e 101 de educação.

Considerando que um dos critérios para determinar as rotas emergenciais do PEC é a proximidade aos locais de prestação de serviços de saúde e educação, nos perguntamos se as demandas levantadas na campanha Calçada Cilada, com os apontamentos de instituições de saúde e educação, estariam contempladas nos trechos priorizados pelo PEC.

Para tentar responder essa questão, a voluntária da Corrida Amiga e Especialista em Inteligência Geográfica, Estela Sakihara, utilizou arquivos digitais das calçadas de São Paulo com as rotas do PEC determinadas, disponíveis na plataforma Geosampa, e as localizações das instituições de saúde e educação apontadas na campanha Calçada Cilada. Com esses dados, Estela calculou as distâncias a partir de cada instituição, correspondente a 5 e 10 minutos de caminhada, e somou as áreas das rotas do PEC presentes nestas distâncias.

Com essas análises, calculamos a porcentagem da área das rotas emergenciais do PEC presentes nos arredores das instituições de saúde e educação apontadas na campanha Calçada Cilada. Esta quantificação das rotas emergenciais foi agrupada por distrito de São Paulo e ponderada pelo número de instituições em cada distrito, gerando um índice da porcentagem das rotas do PEC para cada distrito de São Paulo.

As instituições de saúde e ensino da cidade de São Paulo apontadas na campanha Calçada Cilada estão localizadas em 68 distritos. Entre estes distritos observamos que há uma variação na área das rotas emergenciais do PEC presentes nos arredores das instituições citadas na campanha.

As instituições de saúde e ensino no distrito da Sé possuem cerca do dobro de área de rotas do PEC em seus arredores, tanto a 5 quanto a 10 minutos a pé de distância, do que as instituições nos demais distritos da cidade. Essa grande área das rotas emergenciais na Sé indicam a prevalência de calçadões na região que fazem parte do PEC.

Estudo mostra diferenças na execução do Plano Emergencial de Calçadas, entre centro e bairros periféricos

Entre os 5 distritos com maior porcentagem de rotas do PEC, 4 estão na região do centro expandido de São Paulo, tanto a 5 minutos de distância (Sé, Consolação, Lapa, Perdizes e Vila Guilherme) quanto a 10 minutos de distância (Sé, Consolação, Lapa, Sapopemba, Santa Cecília) das instituições. Enquanto, dos 14 distritos com instituições de saúde e educação apontadas na campanha que não possuem rotas do PEC a 10 minutos a pé de distância, apenas 2 estão parcialmente na região do centro expandido (Cursino e Sacomã).

A região do centro expandido de São Paulo concentra a maior parte dos serviços, dos calçadões e das calçadas largas da cidade, o que justifica a maior área das rotas emergências nos distritos desta região, já que atender a esses serviços é um dos objetivos do PEC. Porém, nossa análise ponderou a área de rotas do PEC pelo número de instituições citadas na Calçada Cilada 2020 em cada distrito, eliminando assim o viés dos distritos centrais por terem maior área do PEC. Com isso, a escassez ou total falta de rotas emergenciais do PEC nas proximidades das instituições de saúde e educação dos distritos periféricos, nos mostra que as demandas por melhorias nas condições das calçadas destas regiões não serão atendidas pelo pelo Programa Emergencial de Calçadas.

*Rotas emergenciais do PEC em linhas amarelas; distância de 5 e 10 minutos a pé são as áreas azuis

Durante o período de pandemia e principalmente durante a reabertura de comércios e serviços após o confinamento, muitas cidades pelo mundo realizaram ações de urbanismo tático para garantir maior segurança aos modos ativos de transporte (a pé, de bicicleta, patinete, etc). Tais ações de implementação rápida, como alargamento de calçadas e ciclovias, vias abertas apenas para tráfego local e vias calmas, com redução do limite de velocidade, podem melhorar as condições do transporte a pé em regiões onde programas que exigem maiores recursos e tempo de construção, como o PEC, não chegam.

Materiais e corpo técnico para implementar infraestrutura de urbanismo tático não faltam. Documentos como o “Infraestruturas provisórias para a Mobilidade Ativa: Medidas de ciclomobilidade para adaptar as ruas no combate à pandemia”, produzido pelo UCB e Cicloiguaçu, listam exemplos que se adequam à realidade do país, levando em consideração o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e normas do Conselho Nacional de Trânsito (Contran). Essas infraestruturas de baixo custo oferecem à prefeitura de São Paulo a chance de prover deslocamentos ativos com segurança, durante e após a pandemia, de maneira mais equitativa.

camiga